“O Livro dos Sábios” | Uma Síntese da Filosofia de Eliphas Levi.

Grosso modo, podemos dizer que em “O Livro dos Sábios”, Eliphas Levi traça um diálogo com as principais personagens sociais, filosóficas e religiosas do Século XIX que possam por em xeque suas crenças, sua forma de ver a religião única, e a sabedoria dos Antigos Mistérios.

Com isso, ele traça seu pensamento influente das ciências ocultas, embasado em Hermes Trismegisto e outros grande sábios, enquanto reflete sobre sua relação com a Igreja Católica.

Antes de mergulharmos no conteúdo de “O Livro dos Sábios”, vamos saber um pouco mais sobre Eliphas Levi.

Eliphas Levi - O Livro dos Sábios

Quem Foi Eliphas Levi?

O ocultista francês Eliphas Levi nasceu Alphonse-Louis Constant em Paris em 1810, adotando o nome pelo qual é mais conhecido (uma versão judaizada de seus nomes próprios) em 1845.

Sua carreira no sacerdócio teve vida curta, e Levi deixou o seminário em 1836 após se apaixonar por Noémie Cadiot, com quem se casou mais tarde.

Em 1841, Levi foi condenado a oito meses de prisão por publicar um tratado chamado “La Bible de la Liberté”, e com o passar do tempo seu interesse pelo ocultismo se aprofundou.

Levi afirmou que em 1854, em visita a Londres, ele convocou o espírito de Apolônio de Tyana, e em 1856 ele publicou talvez sua maior obra, “Dogma e Ritual da Alta Magia“.

Junto com “A Chave dos Grandes Mistérios” (1861) e “História da Magia” (1860) este livro formaria o cânone dos escritos de Eliphas Levi e faria dele grande parte da inspiração por trás do renascimento da magia e do ocultismo no final do século XIX.

Nestes importantes trabalhos, ele discutiu, entre outras ideias, a afinidade entre os vinte e dois principais arcanos do Tarô, as 22 letras do alfabeto hebraico e a Cabala.

Seus livros posteriores, escritos após uma reconciliação equívoca com a Igreja, na verdade alertam contra a prática da magia.

Eliphas Levi morreu em 1875, ano em que Aleister Crowley nasceu. Isso levou Crowley a alegar ser uma reencarnação do necromante reformado, embora Levi não fosse de forma alguma o único nesse aspecto.

O trabalho de Levi seria mais tarde traduzido por Arthur Edward Waite.

Uma Síntese da Filosofia de Eliphas Levi

Em um dos diálogos presentes em “O Livro dos Sábios”, Eliphas Levi adverte que as Ciências Ocultas não são uma filosofia: “As ciências ocultas são uma religião e religião não deve jamais confundir-se com a filosofia.”

No clássico “Dogma e Ritual de Alta Magia”, Eliphas Levi desenvolve uma ideia que é tida como subversiva para sua época.

Ali ele expôs a ideia de que todos os escritos e crenças sagradas compartilham no coração “uma doutrina que é a mesma em todos os lugares e cuidadosamente escondida”.

Em vez de ver isso como uma expressão da verdade fundamental subjacente a todas as buscas espirituais sérias, Levi teorizou que havia uma doutrina secreta da magia em ação universalmente ao longo da história, conhecida apenas pelos adeptos.

A Cabala era um dos interesses permanentes de Levi, e ele a considerava mais profunda do que todas as outras filosofias juntas, tão exata quanto a matemática, e tendo o poder de controlar forças invisíveis que agiam por meio da “luz astral” que cercava todas as coisas.

Sua exposição do modelo Tarot-Kabbalah, embora ele não tenha sido o primeiro a sugeri-lo, tornou-se o modelo dominante para o desenvolvimento do Tarot, e um importante pilar da Cabala ocidental.

Inclusive, em “O Livro dos Sábios” temos a nítida sensação de que Eliphas Levi acreditava que aquilo que era ensinado a todos os iniciados das Antigas Escolas de Mistérios era a Cabala, a qual chamava de Chave Primordial.

“O Livro dos Sábios”

Originalmente intitulado “Le Livre des Sages” e publicado em 1869, este livro é um daqueles que buscam uma abordagem mais amadurecida de suas ideias.

Já nas primeiras páginas ele apresenta um conceito elegante sobre a crença em Deus:

“Não podemos compreender Deus. Podemos apenas saber o que dizemos quando sussurramos seu nome; porém, sentimos em nós uma necessidade imperiosa, invencível, absoluta de crermos e amá-lo.

Ao mesmo tempo ele amarra o princípio hermético da correspondência com o ensinamento de que “somos criados à imagem e semelhança de Deus”.

Mesmo que ao  longo do livro perceba-se uma vontade de reconciliação com a Igreja Católica, observamos também como sua filosofia do “Amor sobre Vontade” seria deturpada por Aleister Crowley mais à frente.

Aliás, sobre a Vontade, ele adverte: “aprendei a querer.”

Mas momentos antes ele diz que o “grande aprendizado Humano é entender o destino: ele é dinâmico, incontrolável e irreversível.”

Em suma, “queira aquilo que seja bom para você e para os outros” é uma boa forma de interpretar isso tudo.

Outra coisa que fica evidente sobre o pensamento de Eliphas Levi nesse livro é a importância dada à caridade:

“Sim, certamente, creio na caridade universal; sim, aguardo a salvação de todo os homens, porque reverencio o dogma Universal e porque o Salvador do mundo deu seu sangue para todos os homens.”

OS DIÁLOGOS PRINCIPAIS DE “O LIVRO DOS SÁBIOS”

Grande parte de “O Livro dos Sábios” foi escrita na forma de diálogos.

Debates, por vezes acirrados, de Levi e figuras filosóficas, quase arquétipos do pensamento ocidental do século XIX, são expostos debates e confrontos de verdades, mas com parcelas de sabedoria inestimáveis.

Elenquei aqui abaixo excertos dos principais diálogos, mas existem pedaços fartos de sabedoria nos demais.

Por exemplo, Eliphas Levi argumenta com o panteísta (alguém que crê que absolutamente tudo e todos compõem um Deus abrangente, imanente, ou que o universo e Deus são idênticos) que “se tudo fosse Deus, o homem não seria responsável por nada e a moral seria uma quimera”. Pense sobre isso.

Já ao Protestante ele adverte: “temo que um bom dia te encontres sem Deus e por fadiga de uma religião sem eficácia, dançaras como tantos outros em torno do bezerro de ouro”.

O CLÉRIGO

O primeiro diálogo se dá com um clérigo, que acusa Levi de ser devotado a ciências do inferno e balizado por razões blasfemas.

Em dado momento Levi diz ao clérigo: “Citas a Bíblia sem compreendê-la e preferiria, em teu lugar, compreendê-la sem citá-la”. 

Essa fala representa bem a visão que ele tinha desta classe.

Nesse diálogo fica clara também a ideia de dogma universal de Levi, que é também defendido por Papus como a certeza da existência de um só Deus, como os antigos iniciados, que é definido de formas diferentes para enquadrar na personalidade de cada povo.

Ele vai mais além, afirmando a missão de reunir os homens na fé das verdades universais naquele momento era melhor executada pela Franco-Maçonaria do que pela Igreja Católica.

Fechando o diálogo Levi registra uma frase que deveria ser gravada por todos nós: “Nada é mais perigoso do que um amigo imprudente, mais valeria um inimigo sábio!”.

O FILÓSOFO

O segundo diálogo se dá com o filósofo, que descreve a religião como “o sonho que quer fazer a lei para a razão”, “o absurdo que se impõe com a obstinação da loucura”, “o orgulho da ignorância que, para se crer sobrenatural, inventa virtudes contra a natureza”.

Em reposta, Levi contrapôs dizendo que a religião única, que se encontra nos dogmas de todos os povos e de todos os tempos é “a fé, a esperança e a caridade”, o tripé de sustentação de todas as suas ideias.

O ISRAELITA

Nesse diálogo Eliphas Levi reforça sua visão de importância da Cabala:

“Nosso dogma, por outro lado, não começa com Jesus Cristo; ele está contido completamente nos mistérios da Cabala, cuja tradição remonta-se até ao Patriarca Abraão.

“Nosso Homem-Deus é o tipo humano e divino do Zohar realizado num homem vivo. Nosso Verbo encarnado, chamado Logos por Platão e por Sâo João, o Ecangelista, quer dizer: razão manifestada pela palavra; chama-se Hochmah na doutrina das Sefirots”

RESUMO GERAL – POR DEFINIÇÕES E AFORISMOS

Nessa parte do livro, Eliphas Levi usa de aforismos para estabelecer seu pensamento sobre a religião, Deus, a moral, a natureza, o magnetismo, a morte, o diabo, o ocultismo, a fé, a ciência, a ação, a força e seus auxiliares, e a paz profunda.

Todos as ideias expostas são desdobramentos do que foi discutido nos diálogos da parte anterior e merece uma leitura tenta e reflexiva, assim como seus três principais livros.

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