O Estado Islâmico tem tomado protagonismo na geopolítica dessas primeiras décadas do século XX.
O ano de 2015 se viu encharcado de sangue em atentados terroristas ao redor do mundo. Alguns foram mais explorados pela mídia, outros foram relegados às páginas das redes sociais mais engajadas.
Ao todo foram 11 países flagelados pelos atentados creditados ao Estado Islâmico (EI), sendo que destes, 10 foram de maioria muçulmana, fazendo da França uma exceção.
Claro que as tragédias advindas do terrorismo não são novidades do novo milênio, muito menos restrita aos grupos do Oriente Médio, sendo o terrorismo uma tática tão antiga quanto as guerras, experimentada tanto por poderosas nações quanto pelos países do “terceiro mundo”.
Os americanos temiam as torturas dos vietcongues, algumas cruzadas propagavam o terror em locais islamitas e não podemos esquecer dos grupo radicais europeus IRA (irlandês) e ETA (basco).
Para as gerações mais novas, o terrorista se tornou sinônimo de muçulmano, mas é sempre importante utilizar estes exemplos para salientar que já existia terrorismo antes dos radicais islâmicos.
Nos últimos anos, a expansão do Estado Islâmico, que tem alongado seus tentáculos além da Síria e do Iraque e investido em ações extremas, só tem reforçado esta máxima que alinhava o Islã com o terrorismo.
Para tentar jogar alguma luz na questão, vamos explorar alguns pontos deste grupo, que pode ser o mais poderoso e organizado que emergiu no Oriente Médio.
As questões são muito mais delicadas e profundas, sendo nosso único objetivo dar um panorama superficial de toda a teia confusa que abarca este assunto.
Jihadistas, Sunitas, Xiitas e as Origens do Estado Islâmico
O maior problema da consciência ocidental é a falsa definição da mídia de que o Estado Islâmico é “um grupo de beduínos jihadistas fanáticos”.
Esta é uma simplificação preconceituosa e obtusa, que esconde o sofrimento dos próprios muçulmanos que estão sob controle deste movimento radical e da própria compreensão do tamanho desta organização.
“Jihad” é um termo árabe que descreve o esforço do islamita em cumprir seus deveres religiosos, sendo mais importante o de disseminar a fé muçulmana.
No Islã, o termo pode denotar a “luta interna de um indivíduo contra instintos básicos, o esforço para construir uma boa sociedade muçulmana ou uma guerra pela fé contra os infiéis.”
Como em todas as religiões, alguns querem cumprir seus deveres pela força, de acordo com as mais diversas interpretações.
Os muçulmanos têm o objetivo de reordenar o governo e a sociedade de acordo com a lei islâmica, enquanto os jihadista são identificados como os muçulmanos sunitas que entendem a luta violenta como necessária para a restauração da lei de Deus na Terra e defender a comunidade muçulmana, entendendo a jihad como um dever individual, que deve ser cumprido por todos os muçulmanos capazes, assim como as preces rituais e o jejum durante o Ramadã.
Os desejos dos diferentes grupos jihadistas podem variar.
Alguns buscam Estados islâmicos em seus respectivos países de origem (Boko Haram na Nigéria e o Movimento Islâmico do Uzbequistão, são exemplos), enquanto outros grupos querem criar um “califado” (governado de acordo com a lei muçulmana pelo califa, que significa “substituto de Deus na Terra”) que se espalhe por diversas regiões (a Al-Qaeda, por exemplo, quer restaurar o antigo califado que ia da Espanha e norte da África até China e Índia).
Ainda existem as diferenças entre sunitas e xiitas (defensores de que a única liderança legítima para o Islã deveria vir da linhagem direta de Maomé), que em termos de lei, apesar de ambos seguirem a Sharia, possuem interpretações diferentes sobre as punições.
O Estado Islâmico surgiu enraizado na rixa ente muçulmanos sunitas e xiitas quando, em 1989, o jordaniano Abu Musab as-Zaraqwi se dirigiu para o Afeganistão com o atrasado objetivo de lutar contra a União Soviética e, dez anos depois, fundou o grupo terrorista Al-Tawhid wa al-Jihad, com o objetivo principal de exterminar xiitas.
Em 2004, Osama Bin Laden relutantemente o aceitaria para comandar a Al Qaeda no Iraque, dando ao selvagem Zaraqwi dinheiro, armas e soldados para lutar contra os Estados Unidos.
Foi nas prisões iraquianas que os jihadistas se comunicaram com antigos nomes do regime de Saddam Hussein, recém derrubado pelos americanos.
Desta troca de ideias nasceu o Estado Islâmico, que ainda tem como um de seus objetivos perseguir os xiitas.
Algumas informações da mídia ocidental diziam que Zaraqwi era a ligação entre Saddam Hussein e Osama Bin Laden, informação que se mostrou falsa.
Todavia, o Estado Islâmico preencheu no Iraque um vácuo criado para apoiar o lado dos sunitas conta os xiitas.
A invasão americana criou uma divisão tripartite cheia de tensão que foi dominada pelos xiitas. Estes, por sua vez, iniciaram sua perseguição aos sunitas, que viram no Estado Islâmico uma forma de proteção.
Existem diversos Estados sunitas no Golfo que desejam apoiar o Estado Islâmico como uma força anti-xiita.
Em 2013, houve a primeira apresentação do Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS em inglês, ou DAESH em árabe), nome que foi resumido para Estado Islâmico ou Califado, como demostração do objetivo da expansão territorial.
As diferenças básicas entre Estado Islâmico e Al Qaeda é que o primeiro já possui um território e um regime de governo baseado na lei islâmica.
Além disso, acreditam que o fim dos tempos é iminente, sendo de responsabilidade do EI forçar a conversão dos povos. Para isso, buscam a expansão do território do Islã como forma de preparação para o juízo final.
Entendendo o Estado Islâmico
A primeira questão que nos aflige o raciocínio neste momento é qual seria a causa do EI ter estabelecido sua sede na Síria se nasceu no Iraque?
A resposta é a guerra civil que se instalou na Síria a partir de 2011. Este conflitou causou buracos no poder do país, ocupados pelo Estado Islâmico com a conivência do ditador sírio Bashar Assad, que via no grupo uma ameaça menor que a dos rebeldes que enfrentava.
A estratégia do Estado Islâmico foi criar uma estrutura mais governamental, com serviços padronizados, além dos relatos de que eles tem repartido os lucros do petróleo com alguns líderes tribais sunitas.
Isso deixa clara a sagacidade do grupo, mostrando saber que não se pode construir uma nação sem o apoio popular.
Tentam então criar boas relações com a população que se mostra submissa e com os líderes locais, dando a estes líderes o controle da água e terras cultiváveis, agindo como um Estado.
Uma vez no poder, o Estado Islâmico mantém as instituições locais após um juramento de lealdade, alem de instituir a política de tribunais com base na lei islâmica e transformar as escolas em centros de estudos do Corão.
Hoje, cerca de oito milhões de pessoas se encontram nas áreas controladas pelos terroristas, mantidos pelo medo das punições aplicadas naqueles que demonstrarem algum descontentamento.
Um ponto que desperta questões interessantes seria o financiamento do grupo.
O alicerce sobre o qual foi construído o Estado Islâmico ainda traz uma base econômica melhor trabalhada que os outro grupos jihadistas, explorando a extração de petróleo no Iraque e na Síria, sem nos esquecer do financiamento inicial de países como Arábia Saudita, Catar e Kweit nos primeiros tempos de luta armada na Síria.
Além disso, os comerciantes e industriais locais são obrigados a entregar uma quinta parte de seus rendimentos ao Califado e um imposto de 50% sobre o salário do empregados públicos em Damasco e Bagdá é cobrado.
O sequestro de reféns ocidentais é outra fonte de renda do Estado Islâmico e estima-se em 45 milhões de dólares anuais o lucro do grupo com esta prática.
Ainda faturam com venda de antiguidades roubadas por contrabandistas internacionais, doações de apoiadores externos.
Armamentos e fardamentos foram obtidos nos depósitos da era Hussein ou comprados de contrabandistas. Uma parcela destes fardamentos advém da China ou da Faixa de Gaza, em confecções controladas pelo Hamas.
Todo este esquema é comandado por Abu Bakr al-Baghdadi, autoproclamado califa, ou seja, um representante de Maomé na Terra.
Abaixo de seu poder no grupo estão sete ex-oficiais do exército iraquiano da era Saddam, sendo este grupo o responsável pela maior parte das decisões do Estado Islâmico, ficando a figura de Al-Baghdadi mais como ícone, um líder religioso e um guerreiro em clara referência ao Profeta, mas o Estado Islâmico é uma organização que não é comandada por um homem só.
Uma análise final nos evidencia que o Estado Islâmico é uma organização muito maior e mais séria do que apenas fanáticos religiosos, como o Talibã, tendo demonstrado certo treinamento militar, além de um apelo de recrutamento gigantesco na Internet.
As investidas internacionais são intensas e o contato com simpatizantes que ajudam a disseminar sua propaganda na rede mundial de computadores é contínuo, sendo que cerca de duzentos mil tuítes são publicados em apoio ao grupo, em média, diariamente.
Muitas destas contas são bloqueadas, mas rapidamente substituídas por outras de fácil criação.
Este fato só reforça as ambições globais do Estado Islâmico, sendo que quase trinta mil estrangeiros se dirigiram para a Síria com o intuito de se juntar ao grupo no Iraque.
Além disso tudo, nunca é demais anotar entre as atividades do grupo o assassinato de civis cujo resgate não seja pago e das pessoas que decidam não se submeter à ideologia do Estado Islâmico:
- o extermínio de minorias como cristãos, Yazidis e xiitas;
- assassinato e estupro de homossexuais;
- escravidão sexual para mulheres pertencentes às minorias;
- tortura;
- destruição e saque de patrimônios históricos, principalmente relíquias de outras religiões e de civilizações antigas.
Cuidado Com a Consequente Islamofobia.
Todo este panorama favorece para o alicerçamento da uma verdadeira fobia aos islamitas, associando sua religião e cultura com o terrorismo de modo irresponsável e inconsequente.
Não se deve misturar grupos radicais com sociedades humanas complexas e as religiões que seus membros praticam.
O mundo muçulmano vai além do que geralmente a maioria das pessoas entende geograficamente, englobando persas (Irã e curdos), turcos (Turquia e repúblicas do Sul da Rússia), indonésios, negros, indianos, malaios, árabes, norte-africanos e europeus situados nos Bálcãs.
Os muçulmanos são as maiores vitimas das atrocidades cometidas em nome de Alá, sendo que os líderes das mesquitas tem condenado a radicalização.
É uma minoria local que apoia as atitudes radicais, principalmente do Estado Islâmico.
O que o mundo ocidental precisa ler além do que nos é apresentado pela mídia, é que tanto o cristianismo quanto o islamismo são religiões irmãs, advindas do judaísmo, sendo que o Jeová dos cristãos é o mesmo Alá dos islamitas.
Nós ocidentais somos praticantes assíduos da intolerância religiosa dentro do próprio cristianismo, sendo a atual islamofobia que ferve no mundo apenas uma extensão de nosso preconceito contra os muçulmanos.
Devemos repensar esta atitude de tomar todos os indivíduos de uma sociedade pelo que apenas alguns deles praticam efetivamente.
Apesar das inúmeras declarações de repúdio aos atentados terroristas mais recentes por parte dos líderes religiosos, a demonização dos muçulmanos vem se fortalecendo dentro da política européia, embasado em frases como “… o EI é a pior ameaça do mundo civilizado”, sem se dar conta do problema em associar toda uma sociedade com um grupo extremista.
Em contrapartida, não vemos muito esforço de grupos muçulmanos contrários às ações do EI se reunindo em um movimento de cooperação não militar em oposição a estes grupos jihadistas.
LEIA MAIS:
- Antissemitismo | Do Holocausto ao 11 de Setembro
- ALBERT PIKE | O Homem que Redefiniu a Maçonaria
- Cavaleiros Templários | O Que era o Baphomet?
- NOVA ORDEM MUNDIAL | O governo mundial secreto!
- TORTURA MEDIEVAL | 6 Métodos Comuns na Idade Média
- KANUN | O Código de Conduta Albanês que Legaliza a Vingança